Um monte de sujeitos, com um monte de ideias, botando a boca no mundo e sendo seus próprios predicados.

domingo, 17 de maio de 2009

O cordel da hipocrisia

Era manhã de domingo na avenida São João e, frente ao palco da Virada Cultural, milhares de pessoas se espremiam em estado hobbesiano, na luta por um melhor lugar para assistir ao show do Cordel do Fogo Encantado, que começaria em uma hora. Nesse tempo a multidão se espremeu mais e mais. Ao custo do desencontro com uma amiga e muitas cotoveladas, consegui um considerável bom lugar.
O show ia pela terceira ou quarta música, a multidão pulava e cantava em uma euforia crescente. Quatro amigos, à minha frente, porém, não se sentiam confortáveis. O motivo? Ao lado deles estava um homem, provavelmente morador de rua, negro, descalço, sem camisa, de ressaca, dançando eufórico junto com a multidão. Esbarrava ocasionalmente nos amigos.
Ora, era uma multidão se acotovelando, havia contato corporal com as pessoas em volta o tempo todo (e bota contato nisso!). Mas os amigos resolveram pedir ajuda, afinal jovens da classe média têm o direito de assistir a um show da Virada sem preocupar-se com pessoas indesejáveis por perto, não?
Chamaram uma mulher da organização que estava na área reservada na frente do palco, reclamaram do homem. Ela o viu, disse aos amigos que ele não estava fazendo nada de mais ali. Os amigos insistiram, insistiram, e a mulher por fim chamou dois PMs.
Os PMs, por entre a multidão, gritaram ao homem. Este, pensando que o problema era ele se encontrar sem camisa, vestiu-a. Ora, o problema não era a camisa, mas sua presença ali! Que direito tinha ele de assistir a um show aberto no centro de São Paulo, incomodando, com sua presença, os jovens de classe média que eram a maioria daquela multidão? Que direito tem ele à cultura, afinal?
Os PMs disseram aos amigos, não tinham nada que fazer ali, e se foram. O homem logo mais se foi também, sentindo o peso dos olhares de desprezo dos que estavam em volta.
Os amigos, finalmente confortáveis, entregaram-se ao show. Cantavam, com euforia e emoção, com seus descolados óculos escuros, a música cuja letra falava do dia a dia de um cortador de cana. Cantavam com euforia e emoção, como se conhecessem na pele o duro dia a dia de um dos mais sacrificados trabalhadores de nossa sociedade...

terça-feira, 12 de maio de 2009

Cotas raciais

No último domingo, o programa Canal Livre da Band, promoveu uma discussão sobre “cotas raciais nas universidades”. Como convidados foram o sociólogo Demétrio Magnoli e o integrante da ONG Educafro Frei Davi. O defensor das faladas cotas era o Frei. (Quase que inocentemente cometi o erro de dizer que o defensor era obviamente o Frei, devido à sua participação na ONG ou algo do tipo, porém após um breve segundo de pensamento, o que se fez óbvio foi que não é porque uma ONG apóia movimentos negros em busca de igualdade, necessariamente apoiaria uma iniciativa como esta das cotas.)

O Frei utilizava como justificativa para a adoção de cotas raciais, uma certa indenização pelos anos e anos em que os negros foram submetidos à escravidão no Brasil, que após abolida, não foram de nenhuma forma indenizados e nem foram alvo de políticas de inserção dos mesmos na sociedade. É difícil discordar que em parte ele está certo, obviamente, se uma política de adaptação houvesse sido adotada após os anos de escravidão, e os negros tivessem recebido ajuda para conseguir empregos e terras para trabalho, certamente a situação social brasileira seria, e em muito, diferente da lamentável na qual nos encontramos.

No entanto, nos vemos em situação difícil, como dizer aos jovens garotos, que após uma análise, são considerados não-negros, portanto não beneficiados por um sistema de cotas racista – uma vez que é baseado em raças, é racista. Quando questionado sobre como este sistema é social, uma vez que crianças pobres não-negras não seriam beneficiadas, enquanto que um jovem negro de uma família que tem uma renda mensal de 20 salários mínimos seria, sim, beneficiado, Frei parecia sempre recorrer aos anos e anos de escravidão e à sociedade desigual na qual vivemos.

Acredito que seja no mínimo questionável esta atitude de, cada vez mais, inserir na mente de jovens que existe tal distinção entre as raças e beneficiar apenas uma em detrimento da outra, sendo que as duas necessitam da mesma ajuda, caso pensemos socialmente a questão.

O sociólogo comentou a lei de cotas existente na Nigéria. A Nigéria é formada por inúmeras etnias, as cotas são dadas, nos diferentes estados, à etnia com maior população no local. Imagine, com isso a maior parte da população passa a apoiar o partido político que tomou tal iniciativa, com a maior parte da população de cada estado, já sabemos o que acontece em uma eleição, certamente um efeito nunca imaginado pelos políticos.

Ironicamente, ao ser entrevistado, o Ministro da Secretaria da Igualdade Racial, Edson Santos, ex-deputado pelo PT do Rio de Janeiro, disse que as cotas raciais são sociais, visto que o método seria o seguinte. Metade das vagas seria separada para alunos de colégios públicos (certamente esta é a parte social), dentro desta metade fazemos a seguinte análise, caso 70% da população local seja negra, 70% desta metade de vagas será exclusivamente destinada a negros. Não importa se os alunos negros e não-negros se encontram na mesma situação social, se passam pelas mesmas necessidades, se os pais de ambas famílias sofrem do mesmo modo para botar comida na mesa. É inacreditável e, certamente inesperada, a semelhança com o método anteriormente comentado, não? E sim, escrevi corretamente, a secretaria é de IGUALDADE racial.